O ZELADOR DO TEATRO


O ZELADOR DO TEATRO


Em uma bela cidade de uma determinada província do interior existia um teatro.

Não era apenas um teatro, mas um grande teatro, com numerosas poltronas, nem sempre confortáveis, mas muito limpas.
Nele se reuniam grande número de expectadores.

Expectadores exigentes, ávidos por maravilhosos shows; alguns críticos implacáveis.

 E também havia um zelador. O zelador do teatro.

Com passos lentos, mas precisos, há muitos anos cuidava do grande teatro.
Ele só; mas, com muita destreza e carinho, varria e lavava todo o piso, limpava cada poltrona e recolhia, com admirável carinho, cada papel do chão.

Suas costas, fiel companheira, já apresentava alguns sinais de cansaço e, lhe avisava com sutis, sensações dolorosas, mas ele fingia não a ouvir. Não lhes dava trela.

- Mas, o que é isto para um zelador de teatro?

Com grande eficácia, arrancava totalmente cada goma de mascar grudada estrategicamente nos mais inusitados e impensáveis locais. E, estava pronto!

Agora, com muita pressa, dirigia-se para uma extremidade escura do prédio, um pouco afoito, um pouco ofegante, porque era dia de espetáculo e as luzes principais teriam que ser acesas.

Um a um, os disjuntores começam a ser acionados. Uma sequência quase religiosa de ativações; um som como de um afinado instrumento começa a ecoar no amplo, mas desabitado teatro.

O interior do antigo local de espetáculos começa a ser banhado por uma linda e brilhante luz.

A cada barulho de disjuntor, uma nova sequência de formosas lâmpadas era acesa.

Um verdadeiro tsunami cobre todo o teatro com luz. E tudo está pronto à espera dos renomados atores.

- Acústica perfeita, ambiente limpo e preparado, luzes acesas, o que ainda está faltando?

- O palco! Como fui esquecer do palco?

- Em trinta e dois anos eu nunca me esqueci deste importante lugar. Meus Deus, tenho que me apressar!

- Holofotes testados, ok!
- Abertura das cortinas, ok!
- Cenário rotativo, ok!
- Camarotes abertos, ok!
- Gerador de neblina, ok!
- Local da orquestra, liberado!

- Tudo pronto, graças a Deus! Mas, quase me esqueci do principal, o local do espetáculo.

- Agora vou sentar e descansar um pouquinho, ainda faltam uns minutinhos para que o pessoal comece a chegar.

Em poucos minutos, diversos grupos de atores, artistas, atrizes e de apoio de palco inundam o ambiente.

Contrarregras e eletricistas, diretores e malabaristas, porteiros e gente da cantina se posicionam estrategicamente como num balé russo; e o honorável público se assenta.

Uns à frente, outros correm para garantir as últimas poltronas. - Por que? Não sei. Sempre é assim, trinta de dois anos; sempre foi assim (me lembro de minha mãe dizendo: - As crianças crescem, mas não amadurecem...), e, caminhava, contendo o riso, o fiel e vergado zelador.

E, começou o grande espetáculo.

E o tema era: O Mundo do Circo!

Foi maravilhoso!

Repentinos suspiros se mesclavam com medrosos gritos. Espantos se fundiam aos risos, impossível distingui-los!

Suspense não faltou, mas, o que realmente transbordou foram os aplausos ao final do espetáculo.

Casa lotada! Povo maravilhado!

Uns não mais queriam deixar o local. Outros, de tão agarrados, formavam uma só sombra. Que medo!

Alguns não se conformavam com os rostos dos amigos que, durante a apresentação da peça, apresentaram expressões inéditas; ... e foram deixando o teatro.

O burburinho perdendo as forças. Passos escassos. Hora de apagar as luzes!

No palco, ainda uns poucos atores revisavam trechos difíceis que poderiam ser melhorados.

Com animados passos, cruzava mais uma vez o extenso teatro, o virtuoso zelador. Que vitória!

Tudo deu certo mais uma vez!

Agora, hora de fechar o teatro.

Hora de descansar.

- Será que os atores vão demorar? Perguntava-se o zelador.

Em um, bem torneado banquinho de madeira, acomodou-se o cansado e fiel trabalhador da zeladoria, aguardando calmamente os acertos finais da companhia de teatro.

Pronto! Acompanhados pelo nobre trabalhador, os atores deixaram o recinto cumprimentados com um, bem-humorado, “até logo”!

Após apagar as últimas luzes do palco, fechar as cortinas e deixar o restante para outro dia, cruzou novamente a “nave” do teatro e contemplou com grande resiliência os papéis de balas, copos de refrigerantes, pipocas e folhetos publicitários introduzidos cuidadosamente nos vãos das poltronas.

- Mas, cadê as gomas de mascar? Ele não as via, mas sabia que elas estavam lá, grudadas, muito bem escondidas e esperando um novo dia de faxina. Ele sabia..., mas, o lar o esperava.

O valente zelador fechou a última porta, correu os olhos sobre as janelas e iniciou cuidadosamente o seu trajeto de volta para casa, pela tradicional calçada, em seu costumeiro caminho, escuro é verdade, mas, bem conhecido.

Poucos latidos faziam que os seus pacatos passos ecoassem sobre toda a ladeira, colorida de pequenas fachadas, fachadas conhecidas e recheadas de história:  

- (Casa nº 47) Aqui morava o Dito Batista, vigia da padaria, homem bom e honrado;
- (Casa nº 143) Ai, suspirou profundo! Que saudade dos doces da Dona Inês, não existe outro igual.
- (Casa nº 259) Coitado do Polaco, homem trabalhador. Que tragédia foi aquela queda. Era um excelente pedreiro e ajudava todo mundo. Grande perda!

A curta, mas histórica jornada, prosseguia com a brandura dos justos: calma, cuidadosa, reflexiva, mas constante.

A humilde e aconchegante residência, já podia ser vista a pouca distância anunciando mais um fim de jornada glorioso.

Sem a interrupção de sua vigorosa caminhada refletiu: “Quando é que vão trocar esta lâmpada? É um perigo. Pode alguém tropeçar... luz de LED, põe a antiga mesmo, a última durou bastante...

- Hummm, tecnologia... resmungou torcendo os lábios.

- Porém, não sei porque estou me preocupando, ouvi dizer que vai sair a minha aposentadoria.

- Quero me aposentar.

Cesar Augustus Pereira de Paula
Sorocaba, 19 de Abril de 2019

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